Só por hoje, me deixa não fazer sentido e curtir em silêncio essa leve melancolia. Só por hoje, me deixa não ter respostas e não entender esse todo que me rodeia. Me deixa sentir essa calma misteriosa que me dá conforto e agonia. E não me julgue se eu quiser ficar só. Eu só preciso de um tempo, um breve momento, em que apenas viva, sem precisar ser alguma coisa. E que sejamos apenas nós, eu e o mundo - sem o tumulto, sem os deveres, sem preocupação. E que as palavras se mostrem, e eu apenas as observe. Meus pensamentos comporão a minha mais tátil realidade, e ela vai me bastar. Nessa hora, eu peço, não me impeça de ser livre. Porque, sim, nessa hora eu sou toda confiança e nenhum sonho é distante demais, grande demais para mim. Eu não sinto o peso de não ser perfeita o tempo todo. O que os outros pensam simplesmente não importa. Ah, como eu quero esse silêncio! Ele me mostra o que a confusão dos dias não me deixa enxergar. E redescubro a essência de mim. Viver fica mais fácil e os dias recuperam o colorido habitual. O que era metade reaprende a ser inteiro sozinho, e a paz do reencontro basta para preencher o meu velho pedaço de insatisfação. Não falo sobre ideias. Eu só entendo o que é sensação. Então me deixa aqui sem fazer sentido, por mais que isso não faça sentido para você.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
Clarice Lispector
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